quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Bodoque


O grão tinha um segredo. Um segredo que se escondia por trás de toda empafia que apresentava. Para chegar nesse segredo precisamos entrar num contexto.
Era verão. No verão as caçadas são mais seguidas. Diferentemente da caçada de préas, "perias", para nós, se caçava passarinhos no matinho, no marisco, nos fios de luz. Onde tivesse umas árvores reunidas, o instinto humano começava a trabalhar. Isso acontece desde os tempos das cavernas.
A piazada da vila se reunia na rua. sempre agitados. Futebol no campinho, brincar de "se escondê", guerras de limão, laranja e as vezes bodoque.
Sim. Quem já fez um bodoque , quem possuiu um bodoque sabe que ele não é só um brinquedo. Nas mãos da pessoa certa é uma arma. Nas guerras com bodoque só era permitido o uso de bolinhas de cinamomo ou o velho "cinamão". As marcas de guerra era um "vergão" na pele que demorava dias para desaparecer. Nunca soube de algum problema sério por conta dessas batalhas.
Um bodoque, por mais feio que fosse, até de borracha "cansada" (as piores e mais comuns ) , forquilha de lidia, forquilha de cinamomo (as piores), impunha um certo respeito. Feitos de borracha de soro, raros e caros, seriam os que iam na frente. Com borrachas de camara trator, seria um lider. Um bodoque feito de borracha de trator e com forquilha de pitangueira seria um mestre. Seria aquele que um tiro deixaria as penas dos passarinhos voando, perdidas no ar...
Dizia uma lenda antiga que as borrachas de pneus de aviões seriam as melhores. Se um dia você visse uma borracha vermelha, deveria saber que ali tinha uma reliquia. Como toda lenda, ninguem podia dizer que era uma verdade absoluta ou uma mentira. Ficava no imaginario. Mas todo mundo conhecia um cara ja que ja teve um...
O grão tinha um de borracha de trator e forquilha de pitangueira. Bem acabado. Uma forquilha de pitangueira que custou horas e horas de buscas. Inquebravel. A borracha tinha custado quase toda a sua coleção de bolitas. Diziam que umas 500 bolitas tinham sido usadas na troca por um par de borrachas de trator. Uma verdadeira fortuna.
Mas, apesar do bodoque de elite, havia algumas coisas que ninguem notava. Na volta das caçadas, grão não trazia nenhum passarinho. Mas, sempre contava vantagem dos tiros que tinha dado.
A verdade começou a aparecer no dia que o tatu, que nem sabia empunhar um bodoque direito, derrubou um "sebinho" no matinho, perto da sanga. Foi o tiro de bodoque mais ridiculo que alguem deu, mas derrubou o passarinho.
As lembranças começaram a povoar as conversas. Todos sabiam de um belo tiro dado. Um tiro do xaxim que derrubou uma juriti de muitos metros de distancia, da entrada do matinho ate os fios de luz da rua. de uma pedrada numa cobra que o eliseu acertou no mato do marisco.
Varias historias, mas do grão, com seu bodoque, nada. Apontavam um alvo, estático, uma lata uma tabua e o grão detonava. Era o primeiro a acertar. Mas nenhum alvo movel entrava na conversa dele. E, se dizia o melhor.
A verdade era que o grão tinha dó dos passarinhos. Ele atirava pra errar.
Por isso ele treinava para ser certeiro. Quando adquiriu o melhor bodoque era para estar na testa das caçadas e dai, ir espantando os passarinhos. No dia da troca, sozinho, ele lamentou a quantidade bolitas utilizadas na troca. A causa era justa, pensou.
Depois disso, ninguem mais convidava o grão para caçar. N os dias de caçada, ele inexistia.
A lenda do bodoque perfeito se desfez na qualidade sentimental do grão.
Um caçador de passarinhos que sentia pena do abate não podia ser convidado para caçar. Reza a lenda que ele chorava quieto no quarto dele. O bodoque se perdeu pelas coisas dele. Deve ter apodrecido a borracha e quebrado a forquilha com o tempo. Muitas coisas foram oferecido pelo bodoque, mas não aceitou nenhuma proposta.
Ele só queria proteger os passarinhos e era tão bom no tiro de bodoque que sabia errar todos.

________________________________
p.s: uma das coisas boas de escrever um texto, é que você pode dar vida a uma personagem e molda-lo como sua imaginação manda. misturar a verdade com a ficção é otimo.
imagem copiada na net. só pra frisar.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Viagem



O dinheiro pode nos levar a conhecer os mais belos lugares do mundo, mas as viagens mais loucas e interessantes são feitas dentro da nossa imaginação

O Sabado 2º Parte

Comprei uma bira, pipocas e me postei deitado no sofá em frente a televisão, com o rádio ligado na 1.140 Cruz Alta AM. As três e meia a RBS cortou o programa da grade e começou a mostrar a Taba India lotada. Tinha muita gente. Autoridades no meio do campo entre os jogadores. O cinegrafista ia mostrando todos, bem devagar, até o seu "Boa Tarde" estava lá. Levantou a mão acenando, movimento caracteristico seu. No radio, o Adauri entrevistava o dono da festa no vestiário. Podia notar a voz embargada de quem muito tinha contribuido pelo futebol da cidade. Apenas uma pergunta ficou sem resposta: "Por quê? Porque nunca aceitou jogar por um time profissional?"
Isso é verdade. Adão tinha recebido varias propostas de integrar uma equipe profissional. O São Luís de Íjui ofereceu ate uma casa para ele envergar a camisa vermelha que era um dos orgulhos da cidade. A S.E.R Santo Ângelo, Atletico Carazinhense, O antigo Aymoré e o próprio Guarani, de Cruz Alta tinha tentado a contratação através de uma intensa movimentação popular. Rifas, raspadinhas e doações não tinham conseguido demover o craque de suas convicções.
Os mais chegados, como joca, que tambem tinha jogado com ele por muito tempo disse que em um churrasco tinham perguntado o porquê não tinha aceitado nenhuma oferta.
"E, trair o Grêmio Esportivo Alvorada? O Botafogo da Vila Hilda? Não. Até um jogador como eu, que jogo por amor ao futebol devo ser compreendido. O futebol deve alimentar minha alma e não minha conta bancaria. Sou feliz assim. O dinheiro traria uma satisfação material, mas não me faria feliz jogando." Grande.
Com certeza era um dos atletas mais respeitados e adorados da zona sul.
O jogo ia começar. Lá estavam Valduíno, Chico cebola, Hermes, Batista, Catê marcando presença. A Querida Mais Linda da Cidade ia dar o pontapé inicial, o cinegrafista malandro só mostrava as pernas e a bunda. Que bunda. Era um bom cinegrafista.
Estava dificil tirar o pessoal de dentro do campo.
Tudo controlado, ia começar ao jogo. A Mais Querida da Cidade fez sua parte e foi saindo de campo ovacionada. "Gostosa, Gostosa" gritavam na geral, o pessoal das cadeiras e os gândulas. Acho até que ouvi o Adão gritando.
Bola rolando e ela foi lançada para o Adão, que já estava enfiado entre os zagueiros. Lançamento longo, A "la Gerson", preciso. Adão mata no peito, deixa ela cair no chão, mansa, e, ja olhando a posição dos adversarios. Olhar de águia, atento na proxima jogada, um corte para a esquerda, um zagueiro ja ficou pra trás, dois passos e a bola dominada, a canhota ja preparada para o chute, quando Adão leva a mão na coxa direita... O estádio ficou em silêncio de morte e, eu dormi.
Apaguei. A mãe estava costurando perto da janela, viu que eu tinha dormido, deixou. Perdi de ver o jogo inteiro.
Quando acordei na tv ja estava passando uma daquelas novelas instrutivas, no rádio estava sendo apresentadas as noticias da região. Meu vinho estava intocado e a mãe estava na Dona Helena tomando mate. Olhei pela porta e só escutava o barulho para os lados do salão do Antero, onde seria o jantar. No churrasco eu ia. Perdi o jogo, mas nem pensar em perder a bóia.
Acho que dormi por conta do cansaço. Quando sai do banho a mãe chegou e só dei uma olhada pra ela que sorriu.
Botei minha melhor e única muda de roupa. Com a domingueira no corpo e saltei porta afora. Na porta de entrada encontrei o Juquinha com uma camisa listrada, tipo de marinheiro, o Tatu, o Eliseu, o "nêgo" Julio que tinha vindo de Torres só pra festa, e ainda se gabava de ter jogado no Guarani nos anos 1980. O Pyno ja estava com o olhar parado, o Bylei e o Diego ja estavam "prontos". O Íssio estava fumando um crivo de cantão.
O momento era festivo e alegremente conversavamos sobre as jogadas do craque da vila. Lembravamos da saudosa equipe que alegrava nossas tarde de domingo, quando o destino não era a lagoa da exposição.
Tinha muita gente e querer descrever todos que ali estavam seria pedir muito. O esquecimento poderia ofender alguem, mas quem estava lá lembra das lágrimas do Adão no discurso. Da mostra de troféus de melhor em campo, centenas, senão milhares.
A festa se foi noite adentro, a Banda do Eba animando a festa. A Brigada apareceu e todo mundo pensou que ela ia chegar "arrepiando". Que nada. Foi arrumada uma mesa e comeram com satisfação. Fazia umas duas horas que o dono da festa e A Querida Mais Linda da Cidade tinham sumido da festa. Especulações a parte, a festança atravessou a madrugada.
Que venha o domingo