quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Há paraísos lá em cima. Muito longe da praia.

Há paraísos lá em cima.
São iguais aos que vejo em teus olhos.
Não há nenhum mal neles.
Olhos verdes e um sorriso que promete.
Há paraísos lá em cima. Flutuando muito longe da praia.
Uma doce solução nos espera no paraíso.
Deixaremos de andar nas estradas perdidas e alguma pessoa começara a sorrir.
As pessoas não ligam quando choramos.
Mas se surpreendem quando sorrimos.
Teus olhos não transmitem a melancolia que costumo ver nos outros.
Eu seria capaz de jurar que neles vejo a solução dos meus problemas.
Há paraísos lá em cima. Flutuando muito longe da praia.
Momentos gloriosos fazem nos sentirmos melhores.
Melhores do que realmente somos.
Com você iria até o fim do mundo.
Mas alguem já chegou no fim do mundo?
Apenas o vento chega no fim do mundo.
Há paraísos lá em cima. Flutuando muito longe da praia.
Este deve ser o lugar que esperei anos pra chegar.
E, agora que estou aqui só me lembro de alguns poucos dias do meu passado.
Nem parece que vim de um lugar onde todos tem o mesmo estilo de vida.
Há paraísos lá em cima, eu sei que há.
Flutuando muito longe da praia.
Uma sinfonia nos espera.
Há paraísos lá em cima.
Eu vou visitar alguns e levarei você comigo.
Só que eles estão flutuando muito longe da praia.
 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cão sem Plumas

Sentado na beira da estrada
Sem eira nem... um maço de cigarros
Me agarro na lembrança
Que não devo favor pra ninguém
Desempregado, despejado
Nenhum lugar pra dormir
Só sobrou minha coleção de discos
Meu amp e minha guitarra
-Nenhum lugar pra chamar de casa
Eu vou, eu vou, eu vou... me dar mal...
Eu vou, eu vou, eu vou... me dar mal... de novo
Se sou feliz, então não sei
O que sobrou pra mim foi o que criei
Meu som, minha dor, o que escrevi e o que pensei
Imaginei severas batalhas 
De peito nu, sem cota, nem malha
Já, de semblante sério, encarei a noite
Vencedor, perdedor, eu já vi o sol nascer
De um ângulo diferente do teu
-Eu sou um cão sem plumas
Eu vou, eu vou, eu vou... me dar mal...
Eu vou, eu vou, eu vou... me dar mal... de novo
Nenhuma esperança
A realidade bruta
Acorda chutando minha cara
Quando caio na minha vida real
Na merda que estou
Fudido
Tento dormir de novo, não consigo

O Domingo


A manhã de domingo começou de ressaca. Um ou outro foguete estourava, alguém se negando a perder qualquer hora do final de semana festivo. Agora seria no campo do véio joão a apresentação do Adão.
Ica acordou assustado, provavelmente sua mãe já tinha levado as vacas para o campo como era de costume. Ela não sabia que esse domingo era diferente. Olhou pela janela e lá estavam as vacas. Passou direto pela sua mãe e foi levar as mimosas  para outro lugar. De longe dava pra ver o Zé banha com uma cuia na mão gritando e apontando as vacas. Ica balançava a cabeça concordando. Com seu trote desengonçado seguia procurando o gudi ou o Sérgio com o olhar. Foi tocando as mimosas para fora do campo.
Manivela ia com uma enxada arrancando as touceiras que teimavam em nascer no gramado. Na saída par a rua Ica olhou para o gramado certificando-se que não tinha ficado nenhum monte de merda de vaca pra trás.
Zé banha e o manivela foram conferir a copa. Afinal eram filhos de Deus e devedores de impostos. Manivela olhou o campo com um orgulho contido. Seu pai ficaria muito contente com um jogo daqueles.
Depois do almoço desci na rua para ir com a gurizada ver o jogo. Já tinham ido para o campo. Fominhas, não me esperaram. "Tudo bem..." pensei. Atravessei o mato das batatas. Tinha me criado ali na volta. Pulei a sanga. Até banho já tinha tomado naquelas águas. Subi o barranco e cheguei no campo. Tentei me lembrar porquê chamavam de "mato das batatas", sendo que só tinha visto pés de pitangas e um pé de amora, por sinal das mais ruins e amargas que já tinha comido. Nós, quando morávamos na Abílio Rocha só dizíamos "matinho". Matinho e era isso.
Olhei em campo os veteranos estavam prontos pra começar o jogo. Adão estava lá no meio do campo. Pé direito em cima da bola e apoiado no joelho. Escutando as instruções do juiz. "Devo ter perdido o discurso."
Chego onde estão a gurizada e pergunto porquê não me esperaram. "Olha a hora..." Alguém diz.
Começa o jogo com o pontapé do Adão. Aqui no bairro não teve tantas cerimônias. Adão parecia feliz, mais disposto. Procurei pela Lui e não enxerguei.
Nem bem a bola rolou e o juiz já apitou falta a favor do time do Adão, que por instinto se posicionou na área. O time adversário era os Amigos do Adão. O nome era esse. Joca cobrou a falta que saiu longa. O Adão foi dar um pique para alcançar a bola e levou a mão na coxa e saiu mancando.
-Já. Falou o pino, com os olhos vermelhos de vinho.
O Adão permaneceu em campo mais uns vinte minutos. Afinal, são sessenta anos e essa lesão na coxa o acompanhava a muitos anos. Saiu ovacionado. A turma se olhou desconfiada. Já tínhamos uns anos também. Entendiamos um pouco mais de futebol.
- Nunca vi o Adão terminar um jogo. Acho que para falar a verdade, nunca vi um jogo até o fim.
O Eliseu deu risada e concordou. O juliano começou a contar histórias, mas eu estava muito desconfiado para acreditar. Olhei todas as pessoas reunidas, o ambiente em torno do campo e cheguei a conclusão que tudo aquilo era mentira.
O Adão era uma mentira como jogador e nós nunca fomos torcedores do Botafogo ou do Grêmio Alvorada. Estava desconstruindo a imagem de herói do Adão. Eram verdades que apenas eu via. Para as outras, aquele moreno atarracado e gordo era um craque.
Eu balançava a cabeça e me perguntava por quê não fiquei em casa olhando televisão...
Enquanto caminhávamos de volta para a rua, surgia histórias do Joca que uma vez estava jogando com um "22" na cintura. Correndo atrás da bola deixou cair o revólver, voltou, juntou o revolvinho e chegou em tempo de cruzar a bola na linha de fundo.
Todas as histórias soavam mentirosas, mas serviam para dar risadas. Escalações surgiam como por encanto, jogadores eram enumerados, postos para jogar e pareciam verdadeiras seleções. Fanha, Beiço. Coxa, um dos mais balaqueiros. Zé banha no gol, herdou a posição do Renato, filho do eterno candidato a vereador João dos Matos. Esse foi o fundador do Grêmio Alvorada. Outro sonhador.
Tinha a turma do beco. Varela, Conan com seu cabelo que nem se mexia. Buldogue que tinha cataratas nos dois olhos e o Maninho que jogava na frente com o Adão. Papai pela direita.
O pé-sujo, uma lenda viva dos bares de Cruz Alta. Também era atleta. Tocava violão e era um dos que puxava as sertanejas. Lembro dele do tempo que o Valdemar tinha um bar na esquina da Abílio Rocha com a Francisco Alves. Quem nunca foi no bar do Ebari? Só se nasceu de 2000 para cá. Quinho, Pedro e a lista nunca termina. Só minha paciência. Vou para casa arrumar minhas coisas. Tem a viagem de volta e a vida real começando a semana.
Uma mentira. Cada jogador daquele lugar era um mentiroso. Talvez tenha esquecido de muitos. Eram os anônimos que davam brilho para as tarde de domingo, naquele campo a beira de um mato. Algo que nunca mais será.